sábado, novembro 28, 2009

eu sei, mais não devia

Eu sei que a gente acostuma. Mas não devia.

A gente se acostuma a morar em apartamentos de fundos e a não ter outro vista que não a janelas ao redor.
E porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora.
E porque não olha para fora, logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas.
E porque não abre as cortinas logo se acostuma a acender cedo a luz.
E à medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão.
A gente se acostuma a acordar de manhã sobressalto porque está na hora.
A tomar o café correndo porque esta atrasado.
A ler o jornal no ônibus porque não pode perder o tempo da viagem.
A comer sanduiche porque não da pra almoçar.
A sair do trabalho porque já é noite.
A cochilar no ônibus porque esta cansado.
A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia.
A gente acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: Hoje não posso ir.
A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta.
A ser ignorado quando precisava tanto ser visto.
A gente acostuma a pagar por tudo o que deseja e de que necessita.
E a lutar para ganhar o dinheiro com que pagar.
E a pagar mais do que as coisas valem.
E a saber que cada vez pagara mais.
E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com que pagar nas filas em que se cobra.
A gente se acostuma à poluição.
Às salas fechadas de ar condicionado e cheiro de cigarro.
Às luz artificial de ligeiro tremor.
Ao choque que os olhos levam na luz natural.
Às bacterias de água potavel.
A gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer.
Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá.
Se a praia esta contaminada a gente molha só os pés e sua no resto do corpo.
Se o cinema está cheio, a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço.
Se o trabalho esta duro a gente se consola pensando no fim de semana.
E se no fim de semana não há muito o que fazer a gente vai durmir cedo e ainda fica satisfeito porque tem sempre sono atrasado.
A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele. Se a acostuma para evitar feridas, sangramentos, para poupar o peito.
A gente se acostuma para poupar a vida. Que as poucos se gastas, e que gasta de tanto se acostumar para poupar a viida. Que aos poucos se gasta, e que gasta de tanto acostumar, e se perde de si mesma.

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